terça-feira, 19 de julho de 2011

Síndrome de Down: busca da identidade e o direito por uma vida normal

O que é bem–estar emocional?

Entende-se por bem-estar emocional o equilíbrio entre as emoções, os sentimentos e os desejos. O bem-estar emocional está relacionado diretamente com a saúde mental e física, e com o conceito de identidade entendida como um conjunto de características físicas, mentais e psicológicas que vão se desenvolvendo ao longo da vida e que configuram nossa personalidade.

Qualidade de vida para as pessoas com deficiência é baseada nos mesmos critérios para o resto da população. Para ele a qualidade de vida depende de condições objetivas e qual a satisfação que a pessoa tem destas condições. A qualidade de vida se articula em oito dimensões e uma dela é o bem-estar emocional, que é determinado pela felicidade, segurança, ausência de estresse, espiritualidade e autoconhecimento. Vamos falar especificamente sobre autoconhecimento, identidade.



O que é identidade?

Quando fazemos perguntas como: “Quem sou eu? Como sou? O que eu gosto em mim e o que não gosto em mim? Como gostaria de ser?” Estamos tentando dar um sentido a nossa existência, um significado individualizado, diferente dos outros e caracterizado pela singularidade de cada um. A identidade é uma necessidade básica do ser humano.



Identidade e síndrome de Down

O que acontece quando nos referimos a pessoas com SD? As pessoas com SD são igualadas pela síndrome. Segundo o dicionário, síndrome é um conjunto de sintomas e sinais que aparecem na doença. Como uma pessoa constrói sua identidade baseada em uma síndrome? Como pode imaginar e criar um projeto para seu futuro pautado no que não pode fazer? Ao igualar as pessoas com SD impedimos de descobrir suas potencialidades, de perceber a essência de si mesmos, o que pode ser compartilhado com sua família – “me pareço com minha mãe nisso e com meu pai naquilo” – além de dificultar sua constituição enquanto sujeito único que faz parte de uma sociedade plural, assim como conseguirá construir sua identidade e definir seus sonhos para o futuro?

O conceito de deficiência esconde a pessoa. Quando nasce um bebê com síndrome de Down, a ideia predominante é de um bebê sindrômico, o que o iguala as outras pessoas com SD, “Os Downs”, como se pertencesse uma raça diferente, a uma família diferente (“Com quem se parecem? Estas pessoas se parecem entre elas.”). Porém, apesar de todos apresentarem um fenótipo determinado, certas características especificas da síndrome e um retardo mental entre médio e leve, as pessoas com SD são seres humanos muito diferentes entre si, com gostos, interesses e contextos familiares diversos. Por trás da SD, da patologia orgânica, há uma criança, uma pessoa com as mesmas necessidades das outras crianças: que brinquem com ela, que a considere, que valorize seus desejos. Esta criança está sujeita aos mesmos princípios básicos de todas as crianças para constituir-se como sujeito psíquico. E não o que está escrito no genoma.



Superproteção: educamos com medo

Em nenhum cromossomo está escrito que uma pessoa com SD não pode tomar banho sozinha, preparar um lanche, atravessar a rua, ganhar um salário e ser independente com os apoios certos. Contudo, a grande maioria não consegue. E nem sempre é devido à deficiência. Muitas vezes é a superproteção, o medo e desconfiança que impedem seu desenvolvimento e crescimento. Temos medo que ele tome banho sozinho, que se queime com a água, temos medo que prepare um lanche e se corte com a faca, que atravessem a rua e não olhe para os lados e acabe sendo atropelado por um carro. Assim, a força da superproteção acaba impedindo que eles realizem inúmeras coisas que poderiam realizar e que são necessárias para seu desenvolvimento e crescimento pessoal. A superproteção os invalida mais que a própria deficiência, porque os impede de se constituírem como sujeito e instala a dependência.



Projeto de futuro

A deficiência não deve supor que uma pessoa não possa ter seus próprios desejos. O projeto de futuro de um ser humano inicia no momento de seu nascimento. “Como ele será quando crescer? Como vou educá-lo? Que valores querem lhe passar? Todas estas perguntas sustentam um projeto de vida onde a pessoa será ela mesma. Tentamos fornecer elementos para que possa se conduzir sozinha pela vida da melhor maneira possível e para isso, desde que pequeno devemos tratar-lhe como uma pessoa diferente dos demais, com seus próprios desejos e opiniões. Perguntar a uma criança o que deseja comer quando vai há um restaurante, que roupa quer vestir ou qual seu jogo preferido, atender e respeitar seus desejos, se interessar por seus amigos, são questões habituais, embora quase nunca se levem em consideração quando se trata de uma criança com SD. A vida das pessoas com SD é dirigida e planificada com o objetivo de que aprendam o máximo possível, que façam o que lhe mandam que se “comporte bem” e se adaptem e se integrem na sociedade.

As expectativas que os outros têm, a confiança, o que se espera e o projeto de futuro são questões fundamentais para um bom funcionamento da personalidade. Para ser quem somos e como somos precisamos de um ponto de referência que geralmente nos é dado pelo outro. Se a mensagem é que não servimos para nada, possivelmente não iremos superar esta ideia. Por isso a representação mental de certos conceitos, no caso da SD, é determinante para o desenvolvimento psíquico. E a representação mental das pessoas com SD até pouco tempo era de uma eterna criança dependente de seus pais. Atualmente esta imagem esta mudando, ainda que não são consideradas pessoas adultas com direitos e deveres, como cidadãos.



Motivação

Porque algumas pessoas com SD aprendem a ler e outras não? Para aprender alguma coisa é necessário desejo para motivar. E o desejo de aprender está estreitamente ligado a autoestima, a autoconfiança a expectativa dos outros. Uma deficiência não justifica que deve ter uma educação diferente do resto da população. Mesmo que a pessoa com deficiência tenha recursos suficientes, se ela não for considerada capaz, não poderá desenvolver suas capacidades, não está suficientemente motivada e não terá desejo de crescer e chegar a ser adulto.

Algumas pessoas se tornam engenheiros aeronáuticos, outras se tornam pedreiros e outras artistas. Neste contexto há inúmeros fatores, desde habilidade até a educação, formação e oportunidades que a vida lhe proporcionou, incluindo o desejo de ser algo. O que não temos duvida é que existe um grande rol de oportunidades. Para as pessoas com SD também deveria existir, porem são poucas as pessoas que tem a possibilidade de gerir sua vida e decidir o que querem ser e trabalhar.

A necessidade de normalidade é algo que precisa ser levado em conta para conseguir um desenvolvimento harmônico. Quando uma pessoa tem SD, tem uma deficiência, lhe permitem transgressões, os superprotegem e não há exigências, portanto seu desenvolvimento pessoal será incompleto e suas relações pessoais e sociais não serão enriquecidas.



A construção da identidade

A construção da identidade inicia no momento do nascimento e vai se estruturando através da própria experiência e da imagem de si mesmo percebida pelos outros. A necessidade de um sentimento de identidade é extremamente vital e imperativa que o homem não poderia ser saudável se não encontrar um modo de satisfazê-la. A identidade é como um selo da personalidade.



Na criança

Como se constrói uma identidade? Um bebê é um ser humano em projeto e precisa realizar a tarefa de se constituir enquanto sujeito; a criança cresce em relação com o outro, se percebe tal como é percebido e se identifica com a imagem que o outro tem dele. À medida que a criança cresce irá se reconhecendo na imagem que lhe oferecem, junto com a percepção interna de si mesmo, assim vai se configurando sua identidade, vai se conhecendo e reconhecendo. A criança tem uma ideia clara que como é, sabe quando é simpático, sensível, tímido e desta forma vai construindo sua imagem que servirá para lidar com as situações da vida, relações afetivas, pessoais e profissionais.

Exigir que uma criança desde pequena tenha responsabilidade, dentro de suas possibilidades, lhe permite saber como enfrentar o futuro, o mundo do trabalho e cumprir suas responsabilidades. É muito importante que as crianças com SD tenham responsabilidade desde pequenos. Há uma tendência de fazer tudo por eles: colocar os sapatos, dar banho, etc. E essas tarefas são feitas sem prazo de validade. Para sempre! Quando damos responsabilidades pequenas as crianças podemos continuar dando responsabilidades maiores à medida que irão crescendo. Caso contrário eles não estarão preparados para trabalhar e se independer. E não podemos dizer que a culpa é da deficiência.



No adolescente

A adolescência é uma época de crises de identidade. E há alguns riscos. E o momento da tomada de consciência em relação à deficiência é a hora em que se procura os iguais para se relacionar, busca companhia e deseja compartilhar atividades; ao mesmo tempo que se rejeitam por não se aceitarem e rejeitarem a SD. Esta é a hora de dar força e apoio para começar um projeto de futuro.

O adolescente com SD percebem o que seus amigos de escola e seus irmãos realizam e desejam poder fazer as mesmas coisas, mas muitas vezes não tem força suficiente para se opor a superproteção dos pais e acaba ancorado na infância. Desta forma corre o risco de nunca poder sair da família e das alternativas da família (instituição de dia e casa de noite) e acaba percebendo que o mundo dos adolescentes é inalcançável.



Identidade adulta

A identidade adulta esta intimamente ligada ao mundo profissional. Entrar no mundo do trabalho representa entrar no mundo dos adultos. Este é um processo difícil para todos, principalmente para as pessoas com SD. Para elas, como para todos nós, o trabalho, como atividade humana significa uma forma de cumprir as necessidades pessoais, econômicas e relacionais. Trabalhar não significa somente realizar um trabalho, e sim interiorizar uma série de características profissionais, de adultos e reconhecer seu poder, executar suas responsabilidades e seus direitos, assim se tornar parte da sociedade. Para entender a estreita relação entre trabalho e identidade, não temos que nos fixar em coisas cotidianas: Em que trabalha? Sou encanador, médico, agricultor, advogado. “Sou”. Freud diz que nada liga mais o indivíduo a realidade como o trabalho que ele incorpora a uma parte da realidade, a comunidade humana.



Como ajudar

As pessoas com SD levam a deficiência estampada no rosto. E isto favorece um tipo de olhar infantilizado e protetor por parte dos outros, favorecendo a não construção de uma identidade própria. Cada olhar resulta em um julgamento e uma qualificação que deixa pouco espaço para as surpresas, para o atrativo de conhecer um ser humano. Devemos mudar o olhar que dirigimos às pessoas com SD e não ver somente o que eles não podem realizar.

Existem famílias que desde cedo iniciaram outro caminho, um caminho para descobrir e reforçar as potencialidades, um caminho pautado na confiança, na exigência e nas responsabilidades. Um caminho que visa um projeto de vida. Um caminho difícil, tortuoso, que exige muita energia. Porem é um caminho que viabiliza a possibilidade de crescimento, de tornar-se adulto e gozar de bem-estar emocional. Alguns pais entenderam que se servir na mesa é uma coisa e outra diferente é trancar a porta com chave a noite. A primeira tarefa é mecânica, a segunda demanda responsabilidade. Há famílias que tem expectativas reais que contemplam os desejos dos filhos, suas opiniões, gostos, ideias e projetos. Favorecem seu desenvolvimento harmônico e acabam alcançando a idade adulta.

Mas para alcançar este ponto é necessário apoio. Como disse, a superproteção invalida; mas, por outro lado, incorporar uma pessoa com SD em um mundo complexo e cheio de estímulos estressantes pude suscitar em diversas reações diante de uma realidade talvez não compreenda em sua totalidade, posto que sua capacidade adaptativa é inferior. Essas reações podem tomar formas de condutas não aceitáveis ou de depressões importantes.

Por isso a prevenção em saúde mental é tão importante como a saúde física. As pessoas com SD são mais vulneráveis que o resto da população e necessitam de mais apoio para integrar-se socialmente, para aceitar-se a si mesmas, para ter maior confiança em suas próprias realizações, e para conseguir maior segurança.

É muito importante para prevenir transtornos mentais em todas as idades e para conseguir o bem-estar emocional, trabalhar a identidade, ajudar a pessoa com SD desde pequena a se conhecer, a aceitar-se, a descobrir a síndrome e também suas múltiplas capacidades. Educar é transmitir normas, mas também é deixar crescer, confiar, exigir e valorizar as realizações.

A pessoa com SD necessita de confiança e sentir-se capaz para crescer e para configurar uma autoestima mais sólida possível. A confiança implica um risco (se eu deixo ele atravessar a rua, ele pode ser atropelado por um carro), mas lembremos que o risco bem assumido se traduz em autonomia.

Por isso devemos fazer tudo que está em nossas mãos para que as pessoas com deficiência construam uma identidade não baseada na deficiência, mas sim em suas possibilidades e atitudes, e tenham um projeto de vida. Nosso desafio consiste em reconhecer e respeitar o tempo de crescimento e em saber aceitar uma condição de adulto no lugar de uma eterna criança. Se estamos convencidos de que a pessoa com deficiência tem possibilidade de crescer e de formar parte ativa da sociedade, eles acabam respondendo a essa expectativa.



Colaborou com este texto Luciana Mello - Fundação Síndrome de Down.





Beatriz Gavia é Psicóloga clinica: Fundació Catalana Síndrome de Down, Barcelona.



http://idmed.uol.com.br/viva-melhor/sindrome-de-down-qualidade-de-vida-e-bem-estar-emocional.html

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